quarta-feira, 8 de abril de 2009

Livro "Quando o coração escolhe" publicado anteriormente com o título "A Alma Ajuda".



No rio que atravessava as vastas terras da família Guiarone, encontrava-se Felipo, tranquilo, pescando dentro de uma canoa. Segundo sua experiência com as condições do tempo, a tempestade iria desabar por sobre terras muito longe dali. Por isso não havia razão para interromper sua pescaria e procurar abrigo. Porém, naquele dia, Felipo se enganara quanto a sua previsão. Em questão de minutos a tempestade desabou e com uma força estrondosa. O zunido do vento parecia um grito de dor agudo e profundo, assustador para os ouvidos.
O vento fazia a água do rio ondular e a canoa balançar a ponto de provocar náusea. Sem perder a calma, Felipo tentou remar para margem, mas o vento era tão forte que, por mais que ele remasse, a canoa se mantinha no mesmo lugar. Impondo mais força aos remos, ele acabou deslocando seu ombro. Visto que a dor provocada pelo deslocamento era insuportável, ele não pôde mais remar.
As águas do rio balançavam agora tão fortemente que a canoa de repente virou e Felipo caiu no rio.
Com esforço sobrenatural, o homem se agarrou ao casco do bote. Seu rosto agora era uma máscara pétrea e rígida devido ao grande esforço que fazia para se manter ali.
Como a chuva lhe tapava a visão, Felipo não podia ver a margem do rio, tampouco sabia precisar a distância que se encontrava dela.
Cogitou a possibilidade de haver alguém por ali. Se houvesse, poderia ouvir seu pedido de socorro e ajudá-lo. Por isso começou a gritar por ajuda com toda a força de que dispunha na garganta.
Era um apelo inútil, concluiu ele, minutos depois. Quem estaria por aquelas bandas, ainda mais numa hora daquelas? Foi tomado de um súbito desânimo que por pouco não o fez soltar-se do casco da canoa e afundar.
Seu coração agora batia em disparada e as ondas provocadas pelo vento forte encharcavam seu rosto e sua boca, fazendo-o, muitas vezes, engolir água e se engasgar.
A imagem de seu pai despontou em sua mente com a força e a luminosidade de um raio. Ele implorou a ele, estivesse onde estivesse, que o ajudasse naquele momento tão difícil. Em seguida pediu a Deus também por ajuda.
Percebeu, então, para a sua surpresa, que o vento o havia arrastado para mais próximo da margem do rio. A descoberta deixou-o menos tenso.
Teve, então, a impressão de ver alguém à margem do rio; deveria estar delirando, certamente, afinal, quem haveria de estar ali, àquela hora? O que vira deveria ser provavelmente um arbusto se mexendo com a força da tempestade.
O ventou cegou-o novamente. O desespero tomou conta de vez da sua pessoa. Ele sabia que não poderia aguentar por muito tempo, a dor no ombro era horrível, em pouco tempo não haveria mais como se segurar ao casco da canoa.
Ele estava prestes a se soltar do casco quando a mão de um homem segurou-o pelo pulso direito, fortemente. Num movimento rápido, esse homem segurou Felipo por trás e com toda sua força arrastou o homem, a nado, até a margem do rio.
O salvamento foi tão rápido que Felipo nem viu o que aconteceu com detalhes. Engolira tanta água que no minuto seguinte vomitava água. Somente quando se sentiu melhor é que ele prestou atenção àquele que o havia tirado de dentro do rio.
O homem que acabara de salvar a sua vida era um homem maduro, de estatura baixa, com bigodes a militar e com uma larga testa aonde se encontrava um ferimento sangrando. A água da chuva ainda escorria por seu rosto e trazia um pouco de sangue com ela.
– Quem... quem é você? – perguntou Felipo, confuso.
O homem respondeu à pergunta imediatamente:
– Meu nome é Juarez, meu senhor. E o senhor, quem é?
– Meu nome é...
A resposta de Felipo Guiarone foi cortada por um desmaio repentino.
Juarez ficou ali sem saber o que fazer, tentou reanimar Felipo, mas não conseguiu. Entregou-se, então, ao desespero. O que fazer? Uma vida estava em jogo. Juarez lembrou-se, então, do resto de aguardente que deixara na sua garrafinha. Sempre levava um pouco para beber enquanto pescava. Pôs o gargalo da garrafa na boca de Felipo na tentativa de reanimá-lo. Conseguiu. Felipo recobrou a consciência.
Por não ser um homem dado a extremos emocionais, o rosto de Felipo permaneceu impassível, apenas os olhos negros se arregalaram um pouco quando ele voltou a si.
– Você... – murmurou –, você salvou a minha vida.... seu nome é...
– Juarez, senhor e o seu nome, meu senhor, qual é?
– Felipo... Felipo Guiarone.
Juarez aquiesceu e em seguida ajudou Felipo a ficar em pé. Felipo levantou-se com dificuldade e foi invadido por uma inexorável vertigem assim que se apoiou novamente sobre as suas duas pernas. O mal-estar, no entanto, foi passageiro.
– Se o senhor quiser – ofereceu-se Juarez –, posso ajudá-lo a voltar para a sua casa.
– Não é preciso, eu já estou melhor, posso ir por mim mesmo...
Felipo, então, estendeu a mão para Juarez, apertou a mão do homem fortemente e disse:
– Serei eternamente grato pelo que fez por mim.
– Que é isso, meu senhor? O senhor teria feito o mesmo por mim se eu estivesse nas suas condições.
Felipo olhou de esguelha por alguns segundos para o pobre homem. Por fim, disse:
– Nunca o vi pela redondeza, é novo por aqui?
– Sim, mudei-me há pouco tempo para Girassóis com a minha esposa e a minha filha. Vim à procura de emprego na região.
– Tem experiência em quê?
– Em diversas coisas, meu senhor. Depois de trabalhar como vaqueiro para um grande fazendeiro por dez anos, fui caseiro numa fazenda por mais dez, mas devido à geada do ano passado, tiveram que me demitir por não terem condições financeiras de me manter por lá.
– Quero que me acompanhe.
– Pois não, meu senhor. – concordou Juarez, solenemente. – O senhor mora por aqui, nas redondezas? Trabalha em alguma fazenda?
Felipo gargalhou diante da pergunta.
– Sim, trabalho numa fazenda – respondeu em meio a um sorriso sarcástico.
– Qual?
– Na minha. Isso tudo aqui é meu, dali até lá – indicou Felipo com o dedo a direção do começo e do fim da propriedade, que a olho nu era impossível de ser ver com exatidão.
– Bem que o nome do senhor não me é estranho, o senhor é um dos candidatos a prefeito da cidade, não é mesmo?
– Sou eu mesmo.
Havia agora um tom de insípido orgulho na voz de Felipo Guiarone.
Parte do caminho Juarez contou sobre a região de Minas Gerais de onde viera. Felipo ouviu tudo demonstrando interesse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário