domingo, 11 de setembro de 2011



Primeira Parte - Capítulo 1

Numa vida passada...
Paris, fim do século dezenove...
Os olhos de Veronique Lafayèt demoraram-se pensativamente no cavalheiro que subia as escadas. Seu nome Johan-Marcel Chevalier. Um homem bonito, distinto, o tipo de homem que enlouqueceria qualquer mulher, principalmente as inocentes.
– Com licença? – disse ela, polidamente.
A monumental figura voltou-se para Veronique e lastimou:
– Esmola, a esta hora, minha querida?! Faça-me o favor...
– Não, meu senhor, não venho lhe pedir esmola alguma.
O homem franziu as sobrancelhas com certa irritação.
– Diga logo a que vem, então.
– Meu nome é Veronique. Sou amiga de Pauline... Pauline Laroche.
– E daí?!
Pelo tom de Johan-Marcel, Veronique logo percebeu que ele não havia gostado que ela o houvesse procurado.
– É que Pauline não está nada bem, meu senhor. Caiu de cama há dias com uma febre muito forte... O médico até agora não sabe ao certo o que ela tem.
Ele a interrompeu sem nenhum tato:
– Então, queres dinheiro para comprar remédios para ela? Pois bem, vou te dar algum.
– Não venho em busca de dinheiro, meu senhor. Em absoluto. Vim apenas informá-lo do que se passa com Pauline... Talvez o senhor queira lhe fazer uma visita, o que seria muito bom, iria deixá-la muito feliz. Ela não para de falar no senhor... Está com saudades... Com ódio da doença que interrompeu os encontros entre vocês dois.
– Eu não ouvi direito. Não posso estar ouvindo direito. Estás querendo que eu visite uma mulher adoentada cujo mal não se sabe ao certo o que é? Pode ser transmissível, pôr em risco a minha vida, é isso?
De repente, Veronique não sabia mais o que dizer. O cavalheiro continuou no seu tom ácido:
– Sou um homem respeitado na sociedade, com uma esposa linda e saudável, tenho um nome a zelar, não posso me arriscar a ser contaminado por uma doença... ainda mais não diagnosticada.
– Mas eu pensei que amasse Pauline.
– Amar? E desde quando se ama uma amante? Já és grande o suficiente, minha jovem, para saber que amantes existem para os homens casados realizarem na cama o que não podem realizar com suas esposas... Terminado o intercurso, eles voltam para as suas esposas e filhos... é sempre assim, tolas aquelas que acreditam que com elas será diferente.
Ele enfiou a mão no bolso do sobretudo, tirou da carteira algumas notas e estendeu para Veronique.
– Tome, é para ajudar no tratamento da tua amiga.
Veronique olhou enojada para ele.
– O senhor não entende... O que Pauline mais precisa agora, neste momento, é do seu amor, do seu carinho, da sua presença, nem que seja por um ou dois minutos apenas. Nenhum remédio pode ser tão eficaz quanto uma palavra de carinho, um gesto, um beijo da sua parte.
– Dinheiro serve tanto quanto tudo isso que tu acabaste de falar.
– O senhor não pode estar falando sério.
– Chega de manha, menina, pega logo essas notas... Elas vão ser bem úteis para ti.
– O senhor tem muito a aprender sobre a vida.
– E tu tens muito a aprender sobre dinheiro.
– O senhor... O senhor é nojento... Tenho pena, muita pena de Pauline por ter se apaixonado por um mau-caráter como o senhor. Uma garota linda e inocente como ela não merecia isso. Eu a avisei, avisei o tempo todo que amante não tem vez... Mas ela não me ouviu... Que pena... Quis tanto poupá-la desse sofrimento, mas ela não me ouviu...
Ele soltou um riso, pareceu para ela ser de descaso, mas no íntimo foi de nervoso. Uma certa tensão, uma vibração esquisita circundou Johan-Marcel, provocando-lhe um arrepio estranho e diferente. Sem deixar transparecer o abatimento, ele reforçou suas palavras:
– Põe este orgulho de lado e pega este dinheiro, garota, vais te arrepender se não pegá-lo agora.
– Seria melhor que o senhor morresse para ela.
– Seria melhor, minha querida, que ela morresse...
– O senhor é cruel.
– Sou realista.
– Se houver justiça nessa vida, em algum lugar desse infinito, o senhor há de pagar pelo que está fazendo à minha amiga querida. Há de sentir na pele o mesmo que ela está sentindo. Há de sofrer o mesmo que ela está sofrendo.
– Não te esqueças, minha jovem, de que ela está sofrendo porque quis. Tu mesma disseste que a alertou.
Veronique baixou os olhos, não havia como contestá-lo. Ainda assim, sentiu um ódio profundo engrossar e ferver seu sangue. Em seguida, Johan-Marcel arremessou as notas contra ela de forma tão grosseira que por pouco não acertaram sua face. Mas Veronique desprezou o dinheiro, permaneceu olhando fixamente para ele, fulminando-o com os olhos. Ele cuspiu no chão, foi até ela, agarrou-lhe firmemente os braços e, mirando fundo em seus olhos, cuspiu-lhe as palavras seguintes:
– Não me causes problemas, garota, pois eu acabo contigo, sem dó nem piedade.
– Sei que é bem capaz disso. Disso e de muito mais.
– Agora, fora daqui! Fora daqui antes que eu perca a paciência contigo.
– O senhor vai se arrepender de tudo isso um dia...
Ele tornou a olhar para ela, pegou firme no seu queixo e o moveu conforme sua vontade enquanto dizia:
– Eu? Arrepender-me do que? Quando e onde um homem com uma casa maravilhosa como esta, rico, bem-sucedido nos negócios, com status social, precisa se arrepender de alguma coisa na vida? Onde e quando, responde-me?
Ele soltou o queixo dela bruscamente.
– Agora some daqui! Antes que o teu cheiro vulgar de cortesã de cortiço de lixo infeste a minha roupa e a minha morada.
Sem mais, Johan-Marcel deu as costas para Veronique e subiu o último lance de escada que levava até a entrada de sua casa.
Pelo caminho de volta para o cortiço onde ela vivia com Pauline Laroche, Veronique, por mais que tentasse, não conseguia tirar da cabeça a imagem de Johan-Marcel, tampouco o ódio que sentia por ele e que estava se alojando em seu coração, com uma vontade louca de ficar ali para sempre, ainda que o sempre se transforme sempre.

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