domingo, 11 de setembro de 2011



Livro "A OUTRA FACE DO AMOR" LANÇAMENTO SETEMBRO DE 2011 - R$19,90. VISITE O SITE www.barbaraeditora.com.br
A outra face do amor



PRÓLOGO
A São Paulo dos anos trinta não era uma megametrópole como é a São Paulo dos dias de hoje, todavia era uma cidade suntuosa, que prosperava cada vez mais e tornava-se uma das cidades mais importantes do mundo.
A avenida principal de São Paulo, nessa época, já era, assim como nos dias de hoje, a Avenida Paulista. Entretanto, ao invés dos elegantes e modernos arranha-céus da atualidade, a avenida era ladeada por casarões, verdadeiras mansões, propriedade dos donos das grandes fazendas que produziam café. Os “donos do café”, como eram chamados na época. Pessoas que enriqueceram com o auge da venda do café no Brasil.
Eram casas de arquitetura deslumbrante, um verdadeiro espetáculo para os olhos. Nelas moravam famílias que se tornaram ilustres e parte da nata da sociedade paulistana.
Hoje, pouco se vê de seu passado pela atual Avenida Paulista, todavia, é nessa São Paulo dos anos trinta, que se passa nossa história. Sob o manto do deslumbre que essa avenida causava a todos que ali chegavam...

Leia parte do CAPÍTULO 1

SÃO PAULO, JUNHO DE 1939

O tempo estava muito quente para aquela época do ano em São Paulo. Na praça João Mendes surgiu uma mulher alta, que caminhava com vivacidade em direção à Igreja de São Gonçalo. Usava um lindo e elegante chapéu de feltro, na cor preta, que combinava primorosamente com a saia e a blusa em tom uniforme que vestia seu corpo.
– Preciso me confessar... – repetia em intervalos cada vez mais curtos. – A confissão liberta.
Ao passar por uma floricultura, o dono olhou com interesse para as costas da dama, elegantemente vestida, com porte de mulher da alta sociedade. Seguiu-a com o olhar por um ou dois minutos e comentou consigo “Essa aí é uma das ricaças da sociedade paulistana...”. Franzindo o cenho, acrescentou: “Muito estranho... uma mulher dessa estirpe por aqui a essa hora?... Onde estará indo?”. Só então deu continuidade ao seu trabalho.
A caminho do seu destino, a elegante mulher, de tão perdida em pensamentos, colidiu com um garoto que vinha pela calçada na direção contrária. O choque entre os corpos a trouxe de volta à realidade. Ela tratou logo de pedir desculpas. O garoto, sorridente, desculpou-se também:
– Não foi nada, dona.
A dama tomava o caminho que levava à entrada da igreja, quando mudou de ideia. Seria melhor entrar por uma das portas laterais, pensou, para evitar que a vissem. Assim ela fez. Adentrou o local, de forma discreta, e parou para observar a abóbada com a imagem de Nossa Senhora dos Jesuítas.
Ela, então, moveu-se, quebrando o silêncio com seus passos discretos para evitar que o eco chamasse a atenção dos que ali estavam a rezar.
Um padre, ajeitando flores num dos vasos diante de uma imagem de Nossa Senhora parou o que fazia assim que percebeu a presença da elegante mulher. Quando seus olhos se encontraram com os dela, estremeceu. Nunca, na vida toda, até onde se lembrava, vira tanta tristeza nos olhos de uma dama. Caminhou até ela, procurou sorrir e perguntou:
– Posso ajudá-la em alguma coisa?
Os olhos dela abriram-se de aflição. O padre tornou a perguntar:
– Posso ajudá-la em alguma coisa?
Ela moveu os lábios sem nada dizer. Ele procurou encorajá-la com os olhos. Por fim, parecendo ter grande dificuldade para falar, ela disse:
– Sim, padre, preciso de sua ajuda.
– A senhora me parece aflita...
– E estou. Se possível, quero me confessar.
Outra surpresa para o padre, jamais, na vida toda, encontrara uma mulher de classe, como aquela, tão desesperada para fazer uma confissão.
Indicando o caminho que levava até o confessionário, ele disse:
– Por aqui, por favor.
Ela o seguiu, olhando volta e meia para os lados para ver se não havia ninguém por perto que fosse conhecido seu.
Assim que o padre se ajeitou dentro do confessionário, ela ajoelhou-se no genuflexório ao lado e olhou com temor e ansiedade para a janelinha do lugar. Sua respiração estava pesada naquele momento, era como se sofresse de profunda falta de ar. Percebendo sua dificuldade, o padre decidiu ajudá-la.
– Pode começar sua confissão, filha, sou agora os ouvidos de Deus.
O silêncio permaneceu. A respiração pesada pareceu se tornar ainda mais pesada.
– Tenha calma, filha...
– Padre. – disse ela, enfim, com a voz entrevada.
– Sim, filha...
Ela tornou a emudecer, levou quase dois minutos até que dissesse:
– Padre, eu nem sei como dizer... estou com tanto medo...
– Calma, filha. Por isso que a confissão é uma bênção, porque ela nos liberta.
– Eu preciso me libertar, padre.
– Deus a libertará.
– De qualquer ato indevido que eu tenha feito?
– Sim, pois Deus tudo perdoa...
– Não sei se Ele poderá me perdoar dessa vez, padre.
– Ele é misericordioso.
Ela tomou ar e, com grande dificuldade, falou:
– Padre, eu... – nova pausa, o tom de voz mudou ao dizer: – é melhor eu ir embora, foi uma tolice da minha parte ter vindo aqui. Nada pode me libertar do que fiz.
– Não subestime o poder de Deus, minha filha. Vamos lá, desabafe, será melhor para você.
– O senhor não entende, padre. Eu... eu matei uma mulher.
As sobrancelhas do homem arquearam-se.
– É isso mesmo o que o senhor ouviu, padre. – enfatizou a dama. – Eu matei uma mulher. Da mesma idade que a minha. Sou uma criminosa, padre! Uma assassina. E os assassinos não têm perdão, não é mesmo? Sei que não têm. Pois a ninguém é dado o direito de tirar a vida do próximo.
O padre procurava dentro de si o que dizer, mas o baque da confissão calava-lhe a voz.
– É melhor eu ir. – continuou ela. – Como disse: foi uma tolice eu ter vindo aqui. Eu sabia, o tempo todo, que não poderia me libertar do pecado que cometi.
– C-calma, filha. Como disse, Deus é misericordioso.
– Se Ele for misericordioso comigo que misericórdia Ele teria para com a mulher que foi vítima da minha maldade?
As palavras tornaram a se aglutinar na garganta do bom senhor.
– Obrigada, padre, por sua atenção.

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